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Diferentes formas de abastecimento de água na região semiárida da bacia do Rio Paraíba

Resumo

Tentar amenizar o problema das secas no Nordeste é uma questão que vem sendo discutida desde os tempos do Brasil Colonial. O semiárido paraibano necessita de condições para o desenvolvimento de uma “governança das águas”, entretanto, as propostas de gestão dos recursos hídricos na região semiárida do Estado da Paraíba precisam ser mais eficientes. A região semiárida da bacia do rio Paraíba compreende 88,3 % do total da sua bacia hidrográfica, e a 31,5% do território paraibano. Neste trabalho, é considerada como região de estudo os municípios que estão inseridos na região semiárida da bacia do rio Paraíba, totalizando uma área de 18.830 km2 de 59 municípios. Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise espacial das diferentes formas de abastecimento de água nos meios urbano e rural da região semiárida da bacia do rio Paraíba, a partir das grandes intervenções hídricas contrapostas às Tecnologias Sociais Hídricas (TSH). Foram analisados os projetos e as propostas voltadas aos recursos hídricos e as ações de Governo, ONGs e entidades dos Movimentos Sociais; mapeados as TSH e as grandes obras hídricas (adutoras e transposições) existentes, projetadas e diretamente ligadas ao Projeto de Integração do rio São Francisco (PISF), na região; e avaliados os meios alternativos de abastecimento urbano em períodos de seca, bem como a atuação das ONGs, através do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), na região semiárida da bacia do rio Paraíba. Esta análise se deu por meio dos recursos das Geotecnologias, especificamente dos Sistemas de Informação Geográfica com suporte de campo a partir dos Sistemas de Posicionamento Global por Satélite (GPS). Para a realização deste trabalho, foram utilizados métodos que explicam a realidade a partir das suas contradições, ou seja, na oposição entre as diversas situações postas. Nesta perspectiva, foi realizada uma análise espacial e hidrogeopolítica das ações e projetos apresentados pelas esferas políticas e da sociedade, apoiadas no debate existente nas suas diversas propostas, sob três eixos distintos, propostos por Vianna (2002), adaptados de Thual (1996), a saber: Intenções; Espaço; Tempo. Os resultados demonstram que os reservatórios superficiais, por meio das adutoras, são os principais responsáveis pelo atendimento de grande parte da população das cidades da região semiárida da bacia do rio Paraíba. Porém, em períodos de secas prolongadas, os carros-pipa se tornam elementos fundamentais e exercem uma importante função de segurança hídrica, tanto no meio urbano quanto rural, atuando como uma ponte de integração entre as grandes e as pequenas obras hídricas, captando água dos açudes para abastecimento local em caixas d’água públicas e cisternas. Com relação ao PISF, o primeiro projeto apresentado prevê a utilização das águas transpostas na região litorânea, através do Canal Acauã-Araçagi (obra secundária do PISF). No entanto, para o Agreste e o Cariri paraibano, região de menor índice pluviométrico do Brasil, a única garantia é o abastecimento de algumas cidades por meio de sistemas de adutoras que já existem ou que serão projetadas, como o Sistema Adutor da Borborema. Em contrapartida, para o meio rural foram constatados grandes avanços nas políticas desenvolvidas, a partir do P1MC e do P1+2, representando melhorias nas condições de acesso aos recursos hídricos por parte da população. Anteriormente aos programas sociais, parte das famílias da região caminhavam diariamente longas distâncias com baldes e latas para buscar água, muitas vezes de má qualidade. As ações realizadas tanto no âmbito das grandes intervenções, como nas soluções locais, têm como objetivo comum o enfrentamento ao problema do abastecimento de água na região. É preciso que as potencialidades do semiárido continuem a ser exploradas, garantindo acesso à água, e assegurando as condições mínimas de sobrevivência e de dignidade para a população.

Introdução

Tentar amenizar o problema das secas no Nordeste é uma questão que vem sendo discutida desde os tempos do Brasil Colonial. Ao longo da história de formação territorial do semiárido nordestino, foram criados diversos órgãos, como a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), para lidar com a problemática da seca no Nordeste. Porém, a intervenção do Estado Brasileiro na região Nordeste sempre foi marcada pela centralização e fragmentação de suas ações e políticas públicas, se concretizando pela criação de organismos de “luta” contra a seca, que acabou se transformando em um objeto de disputas políticas entre os diferentes segmentos da elite rural nordestina (PASSADOR; PASSADOR; HUAYTA, 2010).

Dentre todas as alternativas criadas por tais órgãos para combater as secas periódicas no Nordeste semiárido, a mais comum e de maior relevância para tal situação foram a construção dos reservatórios superficiais, mais conhecidos como açudes. Entretanto, os resultados obtidos, apesar de significativos, não se mostraram suficientes para o suprimento de água da população do semiárido nordestino que, atrelados à ineficiência da gestão dos recursos hídricos, fizeram com que os problemas com o abastecimento de água persistissem na região.

Na segunda metade do século XX, teve início uma política de aproveitamento intensivo do potencial hídrico no âmbito de Nordeste, através de grandes projetos de irrigação, delineadas pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Criada em 1959, a SUDENE teve como base para esses grandes projetos de irrigação os grandes açudes da região além das águas do rio São Francisco, visando, dessa forma, o desenvolvimento econômico do Nordeste.

A irrigação ganhou força como solução econômica e passou a se constituir como um sonho de redenção regional, porém, grande parte do semiárido permaneceu estagnada (SILVA, 2003). Contudo, tais projetos acabaram beneficiando apenas o setor do agronegócio, em especial, na região do Baixo São Francisco e na região de Petrolina-PE/Juazeiro-BA.

A disponibilidade hídrica no semiárido sempre foi um elemento limitante em relação ao desenvolvimento desta região. Cirilo et al. (2010) apontam para o fato de que grandes esforços vêm sendo implantados com o intuito de desenvolver infraestruturas capazes de disponibilizar água para tentar garantir o abastecimento humano e animal, além de viabilizar a irrigação. Todavia, apesar dos esforços, os problemas com a escassez ainda são recorrentes, tornando as populações, em especial as dispersas das zonas rurais e das pequenas cidades, vulneráveis à ocorrência das estiagens prolongadas.

Atualmente, o conceito de “convivência com o semiárido” busca alavancar o desenvolvimento social e econômico do Nordeste brasileiro. O Governo Federal vem apoiando esta nova forma de enfrentar o problema da seca, através de novos programas, tais como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Esses programas pretendem beneficiar cerca de cinco milhões de nordestinos da região semiárida, por meio das Tecnologias Sociais Hídricas (TSH), possibilitando à população local ter acesso à água para consumo humano e doméstico, além de garantir seus usos para a prática da agricultura e dessedentação animal.

Essas Tecnologias Sociais têm o objetivo de realizar mudanças nas estruturas sociais das populações do semiárido, tendo como base um processo simples de captação e armazenamento de água da chuva, visando o abastecimento de residências no período de estiagem. As TSH, como serão chamadas neste trabalho, são representadas pelas cisternas de placa, cisternas calçadão, cisternas escolares, cisternas enxurrada, tanques de pedra, barragens subterrâneas, barraginhas, barreiros trincheira e bombas d’água popular. Para a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA BRASIL), principal organização atuante no processo, estas tecnologias são de baixo custo econômico e de fácil acesso a todos.

Em contrapartida, um dos projetos de recursos hídricos mais polêmicos da história do Brasil, o Projeto de Integração do rio São Francisco (PISF) com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, é visto por grande parte da população nordestina como “solução” para o problema da escassez hídrica. O projeto, atualmente em execução, é um empreendimento do Governo Federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional – MI, sendo apresentado oficialmente como destinado a assegurar a oferta de água, no horizonte de 2025, à cerca de 12 milhões de habitantes de pequenas, médias e grandes cidades da região semiárida dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte (BRASIL, 2004). Segundo o MI, o PISF prevê a construção de dois grandes canais: o Eixo Norte, que levará água para os sertões de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte; e o Eixo Leste, que beneficiará parte do Agreste de Pernambuco e da Paraíba, e o Cariri paraibano.

Diante do exposto, é questionado se as grandes obras hídricas, como o PISF, vão atender, de fato, os anseios da população que realmente carece de água, ou será apenas mais uma política pública voltada aos interesses do agronegócio? Em contrapartida, as TSH atendem as pretensões da população dispersa das zonais rurais do semiárido? Como se dá o abastecimento das pequenas cidades em períodos de escassez? Qual a eficácia do fornecimento de água das adutoras para as populações das cidades do semiárido? Quais os meios encontrados pela população atendida pelas TSH para o seu abastecimento durante longos períodos de estiagem?

A partir dos questionamentos levantados, é preciso compreender como as obras hídricas (de grande e pequeno porte) atuam na questão da convivência com a seca nas regiões semiáridas do Nordeste brasileiro.

Autor: Francisco Vilar de Araújo Segundo Neto.

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