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Avaliação da retenção de sólidos em inovadora configuração de reator UASB tratando esgoto doméstico

 Resumo

A retenção de sólidos é um dos principais problemas de reatores UASB tratando esgoto doméstico. Apesar disso, estudos que proponham melhorar esse aspecto são escassos. Nesse sentido, o presente projeto avaliou o desempenho de uma configuração modificada de reator UASB com foco na redução da velocidade na passagem para o compartimento de decantação, que pode limitar o retorno do lodo ao fundo do reator. Para tanto, o reator foi projetado com duas passagens distintas, e seu desempenho foi comparado a um reator convencional. Os resultados indicaram a maior retenção de sólidos no reator modificado, que apresentou menores concentrações de SST no efluente (73-88 mg/L) comparado ao reator convencional (82-106 mg/L). Além disso, houve uma significativa maior produção de metano no reator modificado, devido ao maior tempo de permanência dos sólidos no reator (20-50%). Assim, o reator apresentou um bom potencial de aplicação sob esse aspecto.

Introdução

O aperfeiçoamento tecnológico de reatores UASB para tratamento de esgoto doméstico constitui uma demanda premente dos prestadores de serviços, uma vez que a tecnologia demonstrou sérias limitações, especialmente no que se refere ao acúmulo de escuma no separador trifásico, à perda de gases para atmosfera e a geração de maus odores, e a perda excessiva de sólidos no efluente (CHERNICHARO et al., 2015).

Entre estas limitações apresentadas pela configuração do reator, pode-se dizer que o problema da retenção física dos sólidos é aquele que tem recebido menor atenção. Isso porque, usualmente, o problema acaba sendo minimizado com o controle rigoroso dos descartes de lodo e, quando isso não acontece, como os reatores incorporam uma etapa de pós-tratamento, a remoção desses sólidos acaba sendo delegada a essas unidades. Decorre que a presença de elevadas concentrações de sólidos no efluente dos reatores impede que os sistemas de pós-tratamento promovam a remoção biológica dos nutrientes, deixando de cumprir seu verdadeiro papel e passando a desempenhar apenas o polimento do efluente do reator (LEITÃO, 2004).

Basicamente, a retenção física de sólidos no reator pode ser atribuída à existência do compartimento de decantação, na porção superior do separador trifásico, onde os sólidos que foram arrastados do fundo do reator encontram boas condições para sedimentação. O lodo vai sendo depositado sobre a coifa e, devido à elevada inclinação desse elemento, desliza até a abertura de passagem do compartimento de digestão para o compartimento de decantação, para então retornar ao fundo do reator. Esse mecanismo confere ao reator a manutenção de uma elevada quantidade de biomassa, a independência do tempo de detenção hidráulica, e a produção de um efluente com baixos teores de sólidos suspensos (SANTOS et al., 2016). Entretanto, essa eficiência do decantador será reduzida quando do aumento das velocidades do esgoto em tratamento, e quando o reator encontra-se com sua massa máxima possível no compartimento de digestão, “reator cheio” (AIUKY et al., 2010; VAN HAANDEL et al., 2015). Como consequência dessas situações, haverá o comprometimento da eficiência do tratamento, em razão da perda excessiva de sólidos suspensos no efluente do reator.

Apesar das velocidades serem controladas no momento do projeto (ABNT/NBR 12209, 2011), usualmente, o reator está suscetível às variações horárias da vazão afluente, que proporcionam uma elevação momentânea destas velocidades. Além de reduzir a eficiência do decantador, essa elevação momentânea da velocidade ascensional ocasiona a expansão da manta de lodo, e o maior aporte de sólidos para essa região, que fatalmente serão descarregados com o efluente. Segundo Leitão (2004), esse efeito pode ser controlado mantendo-se a altura da manta de lodo entre 70 e 80% da distância entre o fundo do reator e o separador de fases. Analogamente, poderia se pensar na elevação do separador trifásico, porém, para se manter a mesma altura total, isso só seria possível com a redução da inclinação do separador.

As partículas que atingirem o compartimento de decantação só terão a possibilidade de retornar ao fundo do reator se, primeiramente, possuírem velocidade de sedimentação superior à velocidade ascensional do esgoto. Como é bem provável que a maioria das partículas arrastadas pelo fluxo não possuam tal característica, isso só será alcançado se houver o contato e a agregação entre as mesmas, ao longo da profundidade do decantador, e a formação de flocos de sedimentabilidade superior à velocidade do fluxo. Do contrário, fatalmente, todas essas partículas sólidas serão descarregadas com o efluente (VAN HAANDEL et al., 2015). Após esse processo inicial, os pequenos flocos sedimentarão sobre a parede inclinada do separador e deslizarão na direção da abertura de passagem. Entretanto, nessa região, devido ao estrangulamento na seção de escoamento, na transição de um compartimento para o outro, que ocasiona uma elevação acentuada da velocidade ascensional, o efetivo retorno do lodo ao fundo do reator só será possível se houver a formação de flocos maiores, que sejam capazes de vencer a velocidade ascensional nas aberturas de passagem (VAN HAANDEL et al., 2015). Dessa forma, essa região pode ser considerada como a mais crítica para o retorno do lodo. Comparativamente, a NBR 12209/2011 prevê que as velocidades no compartimento de digestão sejam inferiores a 1,20 m/h, quando da passagem da vazão máxima, enquanto na abertura de passagem esses valores não devem ser superiores a 4,0 m/h, o que corresponde ao aumento de 233% em relação ao primeiro. De acordo com Van Haandel et al. (2015), a inclinação empregada nas paredes do separador é um dos aspectos-chave desse processo. Isso porque, se por um lado, maiores inclinações facilitam o deslizamento do lodo sedimentado em direção à abertura de passagem, por outro, dificultam a formação de flocos maiores, que são efetivamente capazes de vencer a força de arraste nessa região. Se essa floculação não ocorrer, então todas as partículas com velocidade de sedimentação inferior à velocidade na abertura de passagem eventualmente poderão deixar o reator UASB com o efluente. Dessa forma, uma redução na inclinação do separador pode favorecer a formação dos flocos maiores e o retorno do lodo para o fundo reator, desde que não haja o acúmulo de lodo no decantador por tempo prolongado, que conduzirá à produção de biogás nessa região.

Para equacionar o problema, Santos et al., (2016) relatam a necessidade de melhorias na configuração do separador trifásico do reator. E, nessa perspectiva, Cavalcante (2003) realizou o primeiro estudo que propôs a colocação de placas na região de decantação, para materializar um decantador de alta taxa (decantador lamelar). No estudo realizado por Van Haandel et al. (2015) os autores verificaram que o reator com decantador lamelar, com placas inclinadas a 45º, profundidade de 0,35 m e espaçamento de 0,07 m, apresentou uma capacidade de tratamento (fração da DQO afluente digerida no reator) equivalente ao dobro da observada em um reator UASB convencional, devido à maior massa de lodo retida. Em seguida, outra alteração desenvolvida nessa mesma linha foi a colocação de um meio suporte na região de decantação, materializando um reator híbrido (ELMITWALLI et al., 2002; DE PAULA, 2007). Apesar disso, tais alternativas não ganharam interesses práticos à época, devido aos maiores custos associados. Por outro lado, diante da carência de alternativas de maior viabilidade técnica e econômica, dos impactos que os sólidos advindos do reator vem ocasionando nas etapas de pós-tratamento, e da expectativa da produção de energia a partir do lodo retido no reator, recentemente, o uso dessas soluções começa a encontrar adeptos no meio técnico e científico (ROSA et al., 2015; CHERNICHARO et al., 2015; SANTOS et al., 2016).

Neste contexto, objetivando contribuir para supressão dessa carência tecnológica atual, que representa uma demanda premente do meio técnico, o presente trabalho teve por objetivo investigar o desempenho de uma configuração modificada de reator UASB quanto à retenção física de sólidos. A concepção do reator encontra-se no item metodologia, onde foram apresentadas todas as fundamentações pertinentes. Vale ressaltar que, diferentemente das alternativas citadas anteriormente, na presente proposta não há inserção de novos elementos no reator, mas tão somente uma mudança na geometria do separador trifásico, o que significa que essa configuração, a priori, não ensejará elevação nos custos do reator. Na verdade, vislumbra-se uma possível redução dos custos, uma vez que as modificações seguem na direção da eliminação dos defletores de gases, que, em muitos casos, têm apresentado problemas de entupimentos e rompimentos em escala real (GASPERI, 2012).

Autores: Jozielle Marques da Rocha, Gutemberg Geraldo Vilaça Faleiro, Jane Silva Ferreira Magalhães e Jackson de Oliveira Pereira.

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