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Especiação de Chumbo e Cádmio: desenvolvimento de métodos eletroanalíticos para a avaliação da influência da matéria orgânica natural e substâncias húmicas

Resumo

Os estudos de especiação em águas naturais são a chave para a compreensão do comportamento e destino dos íons metálicos no ambiente, uma vez que estes elementos podem ser encontrados em diversas formas químicas (livres ou complexados). A mobilidade, biodisponibilidade e transporte desses íons podem ser influenciados pela presença da matéria orgânica natural (MON) e as substâncias húmicas aquáticas (SHA), principais ligantes presente no ambiente aquático. Nesse contexto, o objetivo desse trabalho foi desenvolver métodos eletroanalíticos utilizando a cronopotenciometria de redissolução anódica (SCP) e a técnica de redissolução nernstiana na ausência de gradientes (AGNES) capazes de determinar a concentração de cádmio total (CdT) e livre (CdL), respectivamente, diretamente em amostras de águas dos rios Itapanhaú (RI) e Sorocabinha (RS) localizados no estado de São Paulo, que possibilitem uma futura aplicação on-site. E avaliar a influência da MON e SHA extraídas desses rios nas interações com o Cd(II) e/ou Pb(II). Para investigar o efeito da sazonalidade foram coletadas amostras de água no março e novembro de 2014, as quais foram caracterizadas através de parâmetros de qualidade da água, carbono orgânico dissolvido (COD), espectroscopia UV/Vis e concentrações de metal total, dissolvido e “livre” (ultrafiltrado em 1kDa com fluxo tangencial – UFT). As SHA e suas frações (ácido húmico (AH) e fúlvico (AF) foram caracterizadas por meio da análise elementar, RMN 13C e fracionadas através da UFT com membranas de 100, 30,10, 3 e 1 kDa. Os métodos desenvolvidos de SCP (determinação do CdT) e de AGNES (determinação do CdL) aplicados nas amostras de águas in natura e ultrafiltradas em 1kDa, foram validados por comparação com a espectroscopia de absorção atômica com atomização em forno de grafite (GF-AAS). Os resultados encontrados revelaram que as principais diferenças entre as águas dos RI e RS estão associadas possivelmente à maior influência da água do mar e da sazonalidade no RS. A composição estrutural das SHA e AF apresentou maior predominância de compostos alifáticos. A distribuição do COD após o fracionamento molecular mostrou que as frações predominantes nas SHA e AF estiveram entre 10 e 1 kDa, enquanto que para os AH, 50% do COD é maior que 100kDa. Os resultados de SCP (LD de 1,6×10-9 mol L-1) e AGNES (LD de 1,9×10-9 mol L-1) revelaram o seu potencial na quantificação do Cd(II) total e livre, respectivamente, nas amostras estudadas. Os estudos da interação de Cd(II) e Pb(II) com os AF e AH revelaram que ambos os materiais dos RI e RS apresentaram maior complexação com Pb(II), e a complexação aumenta com o aumento do pH.

Introdução

A crescente industrialização e expansão demográfica têm, inevitavelmente, introduzido poluentes no ambiente, ocasionando, por exemplo, a degradação dos recursos hídricos (KAUSHIK et al., 2009; OTERO et al., 2015). Um dos poluentes mais comuns encontrados em ambientes aquáticos são os metais traço (DANG, et al., 2015). O termo “metais traço” tem sido utilizado para definir elementos químicos que em baixas concentrações no ambiente podem vir a constituir uma fonte potencial para a poluição ambiental (MARTINS et al., 2011). Os metais traço desempenham um papel muito importante no ambiente, pois em sua maioria são essenciais à vida em concentrações moderadas e tóxicos em concentrações elevadas.

Sendo assim, a importância do estudo desses metais nos ambientes aquáticos está relacionada aos riscos de contaminação dentro da cadeia trófica, visto que os organismos aquáticos tendem a acumular metais em seus tecidos, mesmo quando a água possui níveis desses compostos abaixo da concentração máxima tolerada pelas legislações vigentes, como por exemplo, a resolução nº 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). E geralmente são considerados persistentes, bioacumulativos e não degradáveis.

Os metais traço podem ser encontrados no ambiente aquático em uma variedade de formas (livres (M) ou complexados (ML)). Na coluna d’água, os íons metálicos podem estar associados ao material particulado (partículas orgânicas ou inorgânicas em suspensão, adsorvido ou assimilado por organismos vivos) e à fração dissolvida na forma de íons livres hidratados e complexados a ligantes orgânicos (macromoléculas ou ligantes coloidais, por exemplo, aminoácidos, carboidratos, substâncias húmicas (ácidos húmicos e fúlvicos)) e inorgânicos (HCO3-, CO32-, SO42-, Cl-, OH-) (BUFFLE, 1988).

Os íons metálicos livres e/ou ligados fracamente aos compostos orgânicos e/ou inorgânicos presentes na fração dissolvida tem uma biodisponibilidade superior do que os presentes no material particulado e formando complexos estáveis, e, portanto, apresentam uma maior toxicidade (MONTEIRO, et al., 2016). E em função da forma química como ele está presente nessa fração, das quais nem todas são igualmente tóxicas, tem-se uma maior ou menor absorção por parte da biota (TEMPLETON et al., 2000).

O conhecimento convencional, em estudos toxicológicos é de que as espécies que controlam a biodisponibilidade do metal traço são os cátions livres hidratados (MOREL;HERING, 1993; TORO et al., 2001), porém, devido às águas naturais apresentarem uma multiplicidade de ligantes capazes de fazer ligações com íons metálicos, apenas uma pequena parte do metal total dissolvido existe como cátions livres hidratados (BUFFLE, 1988).

Nesse contexto, podemos concluir que a biodisponibilidade dessas espécies metálicas é influenciada pela sua forma encontrada na natureza e não só pela sua concentração total (JAMALIA, et al., 2009; MOREL;HERING, 1993). E assim surge o interesse nos estudos em especiação química de metais traço.

Especiação química, de acordo com a união internacional de química pura e pura e plicada (IUPAC do inglês, international union of pure and applied chemistry), consiste na distribuição de um elemento entre espécies químicas definidas em um sistema. Em outras palavras, é a distribuição das diferentes espécies de um dado elemento químico numa amostra, considerando as espécies complexadas e não complexadas e a distinção entre os diferentes estados de oxidação. A análise de especiação é descrita como procedimentos analíticos de identificação e/ou medida quantitativa de uma ou mais espécies químicas presentes em uma amostra.

A análise de especiação de metais traço em águas naturais é complicada, uma vez que a tese de um sistema natural em equilibrio químico não é normalmente válida no meio ambiente, pois cada uma das espécies metálicas pode se comportar de maneira diferente em termos de mobilidade e reatividade, estando ainda sujeitas às mudanças de condições da matriz (temperatura, pH e força iônica). Por outro lado assumir que apenas o íon metálico livre é toxico traduz uma simplificação enorme de um sistema muito complexo.

Sendo assim, os modelos e experimentos de especiação química de metais traço com diferentes superfícies/agentes complexantes em águas naturais são a chave para a compreensão da biodisponibilidade, transporte e mobilidade dos metais traço no ambiente. Para responder a este desafio têm sido desenvolvidas plataformas de modelos de especiação termodinâmica (por exemplo, Visual MinteQ (GUSTAFSSON, 2006), ECOSAT (KEIZER; VAN RIEMSDIJK, 1995) e/ou ORCHESTRA (MEEUSSEN, 2003) além de técnicas e métodos analíticos capazes de medir a concentração de íons metálicos livres e de realizar estudos de especiação dinâmica aos níveis de concentrações de metais traço em águas naturais (TOWN; VAN LEEWEN, 2001; TOWN; VAN LEEUWEN 2003), uma vez que as quantidades de metais traço presentes em águas naturais são difíceis de medir e determinar, os cátions livres é ainda mais desafiador, visto que a sua concentração muitas vezes é encontrada no intervalo inferior ou igual a nanomolar (MONTEIRO et al., 2016).

Frente ao exposto, este trabalho apresenta o desenvolvimento de métodos usando técnicas eletroanalíticas, como a cronopotenciometria de redissolução anódica (SCP) e a técnica de redissolução nernstiana na ausência de gradientes (AGNES) em conjunto com a ultrafiltração em fluxo tangencial (UFT) com posterior detecção por espectrometria de absorção atômica com atomização em forno de grafite (GF-AAS) para a determinação da concentração do cádmio total e livre em amostras de águas naturais dos rios Itapanhaú (RI) e Sorocabinha (RS), testando a viabilidade do método proposto para futuras aplicações on-site. Além disso, nesse trabalho também foi avaliado às interações de Pb(II) e Cd(II) (determinados usando AGNES) com os ácidos fúlvicos e húmicos extraídos a partir das águas naturais destes dois rios RS e RI de características diferentes e em duas estações do ano.

Autora: Adnívia Santos Costa Monteiro.

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