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Monitoramento e controle avançado aplicados à flotação por ar dissolvido

Resumo

A flotação por ar dissolvido é empregada principalmente em tratamento de águas para consumo. Consiste em separar partículas em suspensão através da sua adesão a micro-bolhas de ar de 30-100 µm de diâmetro, provocando uma diminuição na densidade aparente destas partículas pela formação de um aglomerado partícula/micro-bolha. Para isto, ar é dissolvido sob pressão em água clarificada dentro de um vaso saturador e em seguida injetado no tanque de flotação após uma rápida queda de pressão que permite a nucleação das micro-bolhas de ar. No vaso saturador é preciso regular o nível de água para não ocorrer seu esgotamento, a pressão para manter a qualidade das micro-bolhas geradas e não causar sobre-pressão no sistema, e a fração de reciclo para garantir a separação do material suspenso com o fornecimento adequado de micro-bolhas no flotador. Este trabalho é um dos primeiros a explorar o controle e automação do processo de tratamento de água empregando flotação por ar dissolvido. Foi construído um protótipo totalmente automatizado deste processo de tratamento, iniciando uma nova linha de pesquisa com a investigação da relação de variáveis manipuladas no controle do processo. Foram implementadas malhas de controle utilizando recursos de inteligência artificial para manipular as condições de operação do sistema de flotação visando regular a turbidez da água na saída do flotador e, com isto, buscando também menor consumo de energia nos equipamentos e menor esforço de controle nos atuadores. Atuando na fração de reciclo para corrigir a turbidez pós-flotação, a estratégia Fuzzy permitiu uma melhoria de 70,6 % no critério IAE em relação à estratégia utilizando a pressão do vaso saturador para regular a turbidez com um controlador PI. Embora não tenha sido observada redução no consumo de energia da planta em relação à malha aberta, a implementação de malha de controle para regulação da turbidez possibilita menor contaminação do filtro de areia com flocos não flotados, melhorando a carreira de filtração do sistema e sem penalizar os atuadores com elevado esforço de controle.

Introdução

Essencial à vida em todas as suas formas conhecidas na natureza, a água é uma substância em abundância no ecossistema terrestre, uma vez que cobre aproximadamente 2/3 do nosso planeta na forma de rios, lagos, mares e oceanos. Entretanto, nos mares e oceanos, a água é inviável ao consumo humano já que possui elevada concentração de microrganismos, sólidos em suspensão e, principalmente, sais inorgânicos, caracterizando-a como água salgada.

Já nos rios e lagos, é encontrada na forma de água doce, denominação decorrente da menor concentração de sais inorgânicos, mas que ainda assim normalmente apresenta elevada concentração de microrganismos e sólidos em suspensão. Também podem ser encontradas substâncias químicas contaminantes e matéria orgânica decorrentes de poluição causada pelo despejo de efluentes não tratados nos corpos d’água.

A água encontrada na natureza deve, deste modo, ser adequadamente tratada para o consumo humano, caso contrário é via de enfermidades, quer seja por conter produtos químicos tóxicos ou microrganismos patogênicos. Também deve ser tratada para uso industrial, a fim de evitar diversas perdas em processos e equipamentos devido à formação de incrustações e corrosão, por exemplo.

Diversas técnicas têm sido utilizadas em estações de tratamento de águas (ETA) e de efluentes (ETE) com o objetivo de remover estes contaminantes a níveis aceitáveis para o consumo humano e devolução à natureza, respectivamente. Entre estas técnicas existentes, podemos citar o tratamento biológico com o uso de lodo ativado para degradação de matéria orgânica biodegradável, tratamentos químicos como processos oxidativos avançados (POA) para degradação de matéria orgânica não biodegradável e os tratamentos físicos como filtração, decantação e flotação para remoção de sólidos.

O uso de técnicas eficientes no tratamento de água é de extrema importância, já que a água a ser tratada pode apresentar diferentes variedades e concentrações de poluentes. Nos anos de 2013 e 2014 ocorreu um longo período de estiagem na região metropolitana de São Paulo, diminuindo drasticamente os níveis de água dos reservatório do sistema Cantareira, tendo sido necessário captar água de sua reserva técnica, também denominada volume morto. Por se tratar de água proveniente da parte mais profunda do reservatório, sua qualidade é inferior devido à sedimentação de impurezas ao longo de décadas. Neste caso, a eficiência das etapas de tratamento posteriores à captação da água são de extrema importância para se garantir os padrões de potabilidade necessários à distribuição na rede.

Atualmente, este cenário de estiagem que ocorreu em São Paulo se repete porém no Distrito Federal, afetando o nível da barragem do Rio Descoberto. Foram inclusive anunciados o racionamento de água, redução da pressão nas redes de distribuição e tarifa de contingência pela concessionária de abastecimento.

A flotação, principalmente por ar dissolvido (FAD), é um dos processos tipicamente empregados no tratamento de água na etapa de clarificação. Consiste na injeção de micro-bolhas de ar no efluente, promovendo o arraste de materiais em suspensão que são menos densos que a água e têm facilidade de acumular na superfície do líquido, normalmente sólidos de baixa granulometria, óleos e gorduras. Para se ter uma máxima remoção de sólidos em suspensão é preciso que os equipamentos empregados na etapa de flotação sejam projetados adequadamente para cada aplicação, de acordo com a concentração de sólidos e vazão de água a ser tratada.

Entretanto, o processo, em geral, opera continuamente e está sujeito a grandes variações em suas condições de projeto. É o caso, por exemplo, de uma ETA que capta água de rios. Naturalmente, as condições climáticas interferem na carga de sólidos em suspensão, pois a chuva provoca o arraste de materiais sólidos próximos às encostas dos rios. Outro exemplo é a captação para uso industrial, que pode requerer diferentes demandas de água tratada ao longo do dia, em decorrência da particularidade dos processos da empresa. Deste modo, se subdimensionado, um sistema de flotação não será eficiente na remoção de sólidos em suspensão frente a essas variações, por outro lado, se super-dimensionado, será capaz de absorver as perturbações no processo, porém impactando o consumo de energia.

Em termos de qualidade, quanto mais padronizado um processo, maior a garantia de que o produto não se encontre fora da especificação. No caso de tratamento de água, este princípio também é válido. E uma forma de se obter padronização do produto é promover a automação do processo com sistemas de controle que o regulem para operar de modo desejável, independentemente das pertubações impostas ao longo do processo.

Portanto, este trabalho se propôs a iniciar uma nova linha de pesquisa no Laboratório de Controle e Automação de Processos (LCAP) com a montagem e automação de uma planta de flotação por ar dissolvido, assim como também desenvolver sistemas de controle aplicados a este processo. O diferencial da estratégia de controle desenvolvida foi a tentativa de se manter condi- ções específicas pré-definidas de clarificação da água e buscando reduzir o consumo energético da planta de flotação, atuando em diferentes elementos finais de controle concomitantemente, e empregando técnica de inteligência artificial na malha de controle.

Autor: Rodolpho Rodrigues Fonseca.

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