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Tratamento de água para caldeiras de alta pressão

As caldeiras de alta pressão requerem água de melhor qualidade para a geração de vapor, com o objetivo de preservação dos equipamentos que estão inseridos no sistema de “utilidades”

Nos dias atuais, onde o meio ambiente, água e energia são tão discutidos nos meios acadêmicos e econômicos e são temas mundiais, o aumento da procura por fontes renováveis de energia é tão importante quanto a preservação e racionalização dos meios de geração de energia. Com o advento da cogeração no Brasil, principalmente na utilização de biomassa e outros resíduos para a geração de energia, faz-se necessária a busca das melhores práticas na utilização e reutilização dos recursos para a geração de todo o tipo de energia.

Neste trabalho apresentamos formas de controlar e melhorar a eficiência das centrais de “utilidades”, onde são geradas os mais diferentes tipos de energia, com ênfase na energia elétrica a partir do vapor de água.

A geração de energia

Atualmente, quase 40% de toda a energia elétrica produzida no mundo é feita através da geração de vapor a partir do carvão mineral. Diferente do modelo mundial, no Brasil a energia elétrica é produzida através da água “in natura”, ou seja, através das hidroelétricas, que correspondem a aproximadamente 93% da produção.

Em vários setores industriais, passou-se a utilizar a biomassa como uma fonte nobre de geração de energia, tais como os setores de celulose, sucroalcooleiro e agroindústrias. Resíduos florestais (casca de pinus, eucalipto, acículas) e o bagaço de cana de açúcar deram impulso à cogeração de energia.

Para fazer o melhor uso destes combustíveis na geração de eletricidade, as empresas destes setores passaram a utilizar caldeiras de alta pressão (acima de 55 bar) gerando vapor para as turbinas, e o vapor remanescente sendo utilizado nos processos industriais como agente de aquecimento, ou transportador de calor.

As caldeiras de alta pressão requerem água de melhor qualidade para a geração de vapor, com o objetivo de preservação dos equipamentos que estão inseridos no sistema de “utilidades”. Sistema de “Utilidades” é o setor da indústria onde estão: sistema de captação de água, tratamento primário e secundário da água, recuperação e tratamento de condensado, torres de resfriamento, caldeiras, turbo geradores e o sistema de ar comprimido.

O tratamento químico da água

Há muitos anos a água para caldeiras sofre tratamento para remoção de dureza e sólidos totais. Na medida em que as caldeiras foram aumentando de importância e também aumentaram as pressões de trabalho, a exigência da qualidade da água seguiu a mesma linha. Entretanto, até hoje, a qualidade da água está condicionada à pressão de trabalho do gerador de vapor. Neste estudo, vamos apresentar alguns pontos importantes no tratamento de água para geradores de alta pressão, os quais são utilizados para a geração de energia, seja através de ciclos simples ou combinados.

Atualmente, as indústrias já investem adequadamente nos equipamentos para tratamento primário e secundário. Dificilmente uma indústria que possui caldeiras de alta pressão, não tenha sistemas de desmineralização ou ultrafiltração para o tratamento final da água de alimentação das caldeiras. Porém, só isto não é suficiente para garantir a qualidade do vapor produzido e a vida útil dos equipamentos envolvidos nos processos.

Qual é o melhor tratamento para a caldeira da minha indústria? A resposta não parece difícil, mas é no mínimo necessária. Quem deve responder a esta questão são os fabricantes dos equipamentos pré e pós-caldeira, e o fabricante da caldeira. Esta pergunta deve aparecer no estudo do projeto, pois os fabricantes dos equipamentos podem e devem perguntar sobre a origem da água que será utilizada na indústria. A água poderá ser captada em rios, poços, lagos e até do oceano.

Para caldeiras de alta pressão são recomendados sistemas de desmineralização de água, seja por resinas ou por membranas. A decisão pode variar de indústria para indústria, mas depende decisivamente da qualidade da água captada.

Por que tratar a água

Como sabemos, a água na natureza tem origem nos oceanos, lagos, rios, e os ciclos são mantidos pela evaporação e a precipitação na forma de chuva. Mesmo a água da chuva, que é uma água destilada, ou seja, conseqüência da evaporação – possui gases dissolvidos, já que na atmosfera temos os mais diversos tipos de gases em diferentes concentrações. A água dos rios traz dissolvidos ou em suspensão, gases, matéria orgânica, sais de diferentes tipos de metais, e por isso, antes de ser utilizada precisa ser tratada para a eliminação seletiva de contaminantes.O exemplo mais simples é a água de consumo doméstico e para o consumo humano (potável).

A água para uso industrial requer um tratamento para preservação dos equipamentos onde a água irá circular ou irá ser transformada em vapor.

Em torres de resfriamento, o problema se agrava devido ao ciclo de concentração provocado pela taxa de evaporação e temperatura da água na torre. Em geradores de vapor o problema torna-se muito maior, pois a taxa de evaporação (concentração) é elevada e os sólidos antes dissolvidos começam a precipitar ou incrustar nas tubulações.

E o custo do tratamento? Preocupe-se com o custo do “Não-Tratamento”. Isto vale para o gerador de vapor, para as turbinas e todos os periféricos.

Não pense apenas no equipamento, nos custos de manutenção, mas pense numa avaria maior que suspenda as operações de sua indústria. Como dizem, “custo fixo nunca é recuperado”.

Além do tratamento químico

A maioria dos processos industriais é contínuo, com algumas paralisações preventivas para manutenção ou até mesmo por problemas operacionais. O ideal é operar em plena capacidade, 24 horas diárias no limite da capacidade nominal (MCR). Por mais eficiente que seja o processo e os controles na área de utilidades, sempre ocorrem desvios, e a frequência destes desvios requer atenção e monitoramento constante.

É importante salientar que não há água de caldeira 100% pura, tampouco vapor 100% puro. Portanto, é impossível manter um sistema de geração de vapor sem contaminações. Daí a necessidade de tratamento preventivo constante.

Atualmente está disponível no mercado, instrumentação de última geração para controle e monitoramento de sistemas que utilizam água e vapor. Entretanto, há outras variáveis que fogem do controle automatizado e, portanto, requerem a intervenção do homem.

A cogeração de energia e o tratamento químico

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Nos dias atuais, a cogeração de energia (utilização de vários tipos de energia a partir de uma fonte primária de energia), utiliza caldeiras de alta pressão que vão de 50 até 100 bar de pressão. Isto requer uma qualidade cada vez maior do vapor que será utilizado nas turbinas e este vapor depende da qualidade da água que está na caldeira. Por várias razões, o tratamento químico deve ser utilizado para a água da caldeira, pois a qualidade do vapor e do condensado dependem desta água. Com todos os sistemas de proteção disponíveis e instalados nas caldeiras, sempre haverá um arraste de sólidos do vapor da caldeira para as turbinas, mesmo o vapor superaquecido.

O vapor que deixa o balão da caldeira pode provocar erosão, corrosão e depósito (incrustação) nas palhetas das turbinas.

As causas mais comuns de arraste e as consequentes incrustações e corrosão são:

  • Tratamento primário e secundário da água;
  • Tratamento do condensado recuperado;
  • Tratamento interno da água da caldeira;
  • Controle de “blowdown” – ciclo de concentração;
  • Operação da caldeira (variações de carga, temperatura e pressão).

O arraste de sílica e outros sólidos

É muito comum a ocorrência de arraste de gotículas de água no vapor em caldeiras pequenas e de baixa pressão. Geralmente nestes casos, não há geração de energia elétrica através de uma turbina, mas os efeitos nocivos aos sistemas pós-caldeira irão ocorrer, tais como corrosão, incrustação, erosão etc.

Em caldeiras de alta pressão com ou sem cogeração, mas onde há um turbo-acionamento ou mesmo uma turbina para geração de energia elétrica, o arraste mecânico ou o arraste volátil comprometem o desempenho destes equipamentos.

Em projetos bem ajustados, o arraste mecânico (gotas de água no vapor) é evitado por diversos tipos de separadores (ciclones e scrubbers), como ilustrado na figura 01. Já o arraste volátil não é possível evitar, visto que os sólidos estão dissolvidos no próprio vapor. Esta solubilidade depende de temperatura e pH da água da caldeira e do vapor saturado e superaquecido. Como foi citado anteriormente, não existe um sistema de geração de vapor 100% isento de impurezas. Sempre haverá a ocorrência de gases dissolvidos e outros elementos químicos, principalmente sódio e sílica.

Sistemas eficazes de separação de gotículas garantem que o vapor chegue às palhetas da turbina com 0,1% de umidade. O problema maior está na água da caldeira, que permite alguns sólidos se dissolverem no vapor e são arrastados (o termo volátil está implícito neste arraste através do vapor). A sílica e o sódio são os mais importantes, pois provocam danos maiores aos sistemas pós-caldeira.

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Erosão e depósitos em turbinas

Boas práticas operacionais não são suficientes para garantir a não-volatilidade destes elementos. Estudos realizados em laboratórios de pesquisa de fabricantes de equipamentos demonstraram que as variações de concentrações de sílica e sódio levam à ocorrência de arraste volátil para turbinas e periféricos. Importantes fatos foram observados em laboratório:

  1. O arraste de sílica é diretamente proporcional à quantidade de sílica dissolvida na água da caldeira em uma pressão e pH constantes;
  2. A relação de solubilidade de sílica no vapor e da sílica na água da caldeira aumenta com a pressão da caldeira;
  3. O vapor é um solvente da sílica e é influenciado diretamente pelo pH.

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O gráfico acima mostra a relação entre a sílica dissolvida na água da caldeira e no vapor, em diferentes pressões. Segundo a literatura especializada, teores de sílica abaixo de 0,02 ppm ou 20 ppb no vapor, garantem um excelente condicionamento do sistema.

Teores maiores de sílica no vapor, juntamente com teores significativos de sódio, podem complicar o sistema de geração de energia através da turbina. Os depósitos em palhetas de turbinas não são raros e dependem da ocorrência dos arrastes e da espessura e localização destes depósitos. A figura 02 mostra depósitos de silicatos complexos de sódio na região de extração de vapor da turbina de contra-pressão.

Estes depósitos podem ocorrer nas palhetas, nas tubulações, na carcaça da turbina, no condensador, e em outras regiões pós-caldeira.

Controle da pureza do vapor

Assim como a água de alimentação, o vapor saturado e o condensado, a pureza do vapor também pode ser monitorada “on line” com a instalação de instrumentos de última geração.

Alguns parâmetros podem ser utilizados para avaliar a qualidade do vapor no sistema pós-caldeira:

  1. Condutividade do vapor condensado;
  2. Calorímetro de estrangulamento;
  3. Medição gravimétrica por TDS;
  4. Tracer para sódio com eletrodo seletivo.

O tracer (traçante) para sódio é um dos mais eficazes, pois determina a concentração isolada deste íon solubilizado no vapor. Conhecendo-se a concentração do sódio (Na) na água da caldeira e o ciclo de concentração, determina-se o percentual de arraste.

Para a eficiência da operação de análise, deve-se obedecer as recomendações do código ASME para coleta de amostra de vapor de alta pressão – [ASME Test Code 19.11].

Conclusão

Em empresas geradoras (concessionárias) de energia elétrica através de ciclos termodinâmicos, seja utilizando carvão ou gás, e até mesmo usinas nucleares, que têm como produto final a energia elétrica, a perda, mesmo que temporária, de um gerador de vapor devido às condições de tratamento químico da água e do vapor, pode levar a perdas vultosas de dinheiro, uma vez que energia não gerada não é recuperada e a perda de receita é certa.

Empresas que utilizam a cogeração tendo como combustível principal o subproduto de seus processos, se deixarem de gerar energia pelos motivos acima citados, podem ter outros tipos de perdas; terão que suprir sua demanda interna de energia elétrica comprando a energia no mercado, podem ter a produção reduzida por falta de vapor de baixa pressão, haverá um acúmulo de combustível (biomassa, bagaço etc) que deixou de ser consumido e no futuro vai gerar problema ambiental. No mercado atacadista de energia elétrica (MAE), o preço da energia elétrica pode variar de R$ 180,00 até R$ 350,00/Mwh. Inclua estes valores nos seus custos operacionais e de produção.

Invista certo, com equipamentos ajustados, planejamento, programas de tratamento de água ajustados às necessidades do processo e invista em treinamento para o pessoal de operação e manutenção do setor de utilidades.

RTH – Consultoria Técnica Ltda
Por: Arno Rothbarth

Fonte : Revista Meio Filtrante

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