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Recuperação de nutrientes e energia em efluentes domésticos através de bactérias fototróficas

O Grupo de Ingeniería Química y Ambiental (GIQA) da Universidade Rey Juan Carlos, desenvolveu uma tecnologia com a empresa FCC AQUALIA para o tratamento de efluentes, com recuperação de nutrientes e energia, no contexto de economia circular e no campo da gestão dos recursos hídricos.

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Esta tecnologia baseia-se na utilização de microrganismos altamente versáteis, as bactérias fototróficas roxas (Purple Phototrophic Bacteria – PPB), para a acumulação de todo o carbono, nitrogênio e fósforo dos efluentes domésticos, utilizando energia solar infravermelha. O processo está sendo implementado, em escala piloto numa Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Os resultados promissores alcançados até agora permitem prever um rápido desenvolvimento da tecnologia, que está sendo impulsionada através das propostas de financiamento da Europa.

Dr. Daniel Puyol Santos, Investigador Ramón y Cajal, Grupo de Ingeniería Química y Ambiental (GIQA), Universidad Rey Juan Carlos.

Dr. Víctor Monsalvo García, Director del Área de Ecoeficiencia, Departamento de Innovación y Tecnología, FCC AQUALIA.

Economia circular no tratamento de efluentes: biorrefinarias

O sistema de produção moderno está modificando seu modelo conceitual para um projeto de produção baseado na economia circular, onde todos os elementos excedentes do sistema são transformados em matéria-prima, que é incorporada novamente ao sistema, o que potencialmente implica um conceito de emissão zero. O tratamento de efluentes é uma plataforma ideal para embasar o desenvolvimento tecnológico focado na mudança do modelo produtivo, por ser um sistema amplamente difundido e altamente estudado [1]. Além disso, entre 50% e 100% dos recursos perdidos como resíduos estão contidos nos efluentes. Recentemente, várias alternativas de tratamento de efluentes surgiram com base no conceito de economia circular. Entre eles, o grupo de Batstone propõe um sistema de tratamento em três etapas: acumulação total de matéria orgânica e nutrientes em biomassa por meio de um biorreator de membrana, liberação de nutrientes e energia por digestão anaeróbia e recuperação dos nutrientes por precipitação de estruvita ou produção direta de fertilizantes orgânicos a partir da biomassa [2]. O núcleo principal de sua proposta é a fase de acumulação pela ação de bactérias anaeróbicas fototróficas roxas ou PPB (de suas abreviaturas em inglês, Purple Phototrophic Bacteria).

As bactérias PPB permitem a acumulação através da assimilação dos nutrientes contidos nos efluentes, principalmente, Nitrogênio (N) e Fósforo (P). Além disso, a luz infravermelha é usada como fonte de energia, e, portanto, a sua eficiência de reciclagem de Carbono (C) é muito elevada, sendo capaz de crescer potencialmente com um rendimento de biomassa / substrato próximo de 100% em termos de Carbono (C) [3]. Seu metabolismo permite obter vários produtos com alto valor agregado. Eles são capazes de acumular Fósforo (P) em forma de Polifosfato e com um alto teor de proteína, de modo que a biomassa pode ser utilizada como fertilizante orgânico ou como proteína bacteriana de alto poder nutritivo para alimentação. Além disso, eles acumulam Carbono (C) na forma de polihidroxialcanoatos, que podem ser usados ​​como bioplásticos.

Seu alto conteúdo lipídico também tem potencial de conversão energético (por exemplo, na forma de biogás por digestão anaeróbia) muito alta. Tudo isso faz com que o desenvolvimento de processos baseados no uso de bactérias PPB representa uma plataforma única para desenvolver uma mudança de paradigma no tratamento de efluentes, com foco na obtenção de produtos e recuperação de energia [4]. Esta abordagem de fotobiorrefinería é muito recente, e o GIQA, liderada pelo Dr. Daniel Puyol e os Professores Juan Antonio Melero e Fernando Martínez, desenvolveram uma tecnologia de tratamento de efluentes líquidos com base nestas bactérias PPB, em colaboração com o Departamento de Innovación y Tecnología de FCC AQUALIA, representado pelo Dr. Frank Rogalla e pelo Dr. Víctor Monsalvo.

Reatores anaeróbios do tipo carrossel, um novo conceito no tratamento de efluentes

Tradicionalmente, reatores do tipo carrossel têm sido usados ​​para o tratamento de efluentes por organismos heterogêneos que misturam esses organismos com outros organismos procarióticos. Alternativas como os tanques tipo “raceways” permitem o cultivo de organismos fototróficos, como algas e cianobactérias (www.all-gas.eu).  Também foram usados, em menor grau, para obter biomassa para ser usada posteriormente como fonte de energia. No entanto, existem algumas limitações que impedem o desenvolvimento do conceito de biorrefinaria em ETEs com base nessas soluções, tais como:

  • O alto consumo de oxigênio dos sistemas aeróbios implica um alto custo operacional, com altas emissões de CO2 A baixa eficiência da síntese celular, faz com que a sua recuperação de energia via digestão seja apenas interessante para grandes ETEs.
  • A baixa taxa de crescimento dos organismos fototróficos requer operar com altos tempos de residência, na maioria dos casos superiores a 2-3 dias, com a necessidade de superfície que isso acarreta, além disso, os “raceways” alimentados com luz visível não podem ser muito profundos para garantir a penetração da luz.
  • Precisamente devido à penetração da luz visível, é necessário controlar o crescimento da biomassa de tal maneira que não implique uma limitação na transferência de luz. A matéria em suspensão residual deve, portanto, ser controlada e eliminada antes de alimentar o “raceway”.
  • Em reatores oligotróficos há a proliferação de algas oxigênica, que impedem o crescimento de organismos anaeróbios e, portanto, a recuperação de matéria orgânica é limitada, aumentando as emissões de NOx. Em reatores eutróficos, ao contrário, a capacidade de tratamento é limitada pela baixa carga orgânica que os organismos fotossintéticos são capazes de suportar. Portanto, o tempo de residência hidráulica deve ser ainda maior.
  • A capacidade de remoção de fósforo limita-se principalmente ao crescimento de organismos fotossintéticos, uma vez que as algas só podem acumular quantidades limitadas de polifosfato. Portanto, é necessário usar tecnologias em serie para recuperar o fósforo residual.

A tecnologia ADVANSIST desenvolvida pela GIQA e FCC Aqualia é um novo conceito de fotobiorreator anaeróbio tipo carrossel (Figura 1), no qual o crescimento de bactérias PPB é promovido pela utilização seletiva de luz infravermelha filtrada, supera as dificuldades inerentes às tecnologias de carrossel aeróbico convencional e sistemas raceway, mas também permite:

  • Aumentar a quantidade de Nitrogênio (N) e Fósforo (P) extraídos do efluente por assimilação e acumulação e, portanto, a capacidade de recuperação de nutrientes.
  • Eliminar o risco de produção de toxinas devido à proliferação de cianobactérias.
  • Aumentar significativamente a concentração de biomassa dentro do reator, uma vez que a luz infravermelha tem uma capacidade de penetração superior à luz visível. Além disso, o tratamento de água não sedimentada é permitido, uma vez que o material residual em suspensão dificilmente absorve na faixa do infravermelho. Tudo isso permite trabalhar com reatores menores.
  • Aumentar significativamente a produção de biogás, incluindo a velocidade de produção, uma vez que as bactérias PPB são mais facilmente digeríveis do que o resto da biomassa fototrófica, devido ao fato de que eles possuem uma parede celular com uma base de celulose.

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Figura 1: Fotobiorreator anaeróbio tipo carrossel. O efluente é alimentado lateralmente. A água é circulada no reator e o efluente tratado é evacuado na extremidade oposta. O sistema possui uma capa que seleciona o comprimento de onda incidente, permitindo apenas a luz infravermelha, além de garantir um ambiente anaeróbio.

Desenvolvimento tecnológico do fotobiorreator anaeróbio tipo carrossel “ADVANSIST”: escala semi-piloto

A viabilidade da tecnologia foi demonstrada durante 1 ano na ETE da URJC (Móstoles). Os reatores, de 0,5 m³ de volume cada, consistem em um sistema de circulação de água de baixo custo (paddle wheels). Possui um sistema de separação de biomassa que consiste em dois sedimentadores troncocônicos de 0,2 m³ de capacidade, o que permite controlar e fixar o tempo de permanência da biomassa. A figura 2 mostra uma imagem dos reatores antes de iniciar sua operação.

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Figura 2: Imagem dos fotobiorreatores do tipo carrossel instalados na ETE do URJC antes de iniciar sua operação.

A operação dos reatores foi dividida em várias fases experimentais. No primeiro, foi realizado trabalho descontínuo, alimentando os reatores em lotes de água com troca volumétrica de 50% uma vez por semana. Isso permitiu o crescimento seletivo da biomassa fototrófica para um start-up mais rápido durante o tratamento contínuo. A mudança de regime descontínuo para contínuo foi feita usando um tempo de residência hidráulico inicial de 48 horas, que foi gradualmente reduzido até 18 horas no final da operação. Inicialmente, foi trabalhado com efluente bruto. A adição de material orgânico permitiu a assimilação completa de todo o Nitrogênio (N) e Fósforo (P) presente no efluente do Campus, com valores médios de 200 mg de demanda química de oxigênio (DQO)/L.

Durante o período descontínuo de tratamento, a biomassa fototrófica colonizou gradualmente os reatores até atingir uma concentração em torno de 200 mg de sólidos voláteis / L. As eficiências alcançadas de degradação de DQO, Nitrogenio (N) e Fósforo (P) foram de 90%, 45% e 50%, respectivamente, em ambos os reatores. A mudança de operação para o regime contínuo, supôs uma diminuição dessas eficiências devido principalmente ao aumento da carga específica e à necessidade de aclimatação por parte da biomassa. A partir da adição de uma fonte adicional de matéria orgânica, a eficiência do consumo de DQO aumentou consideravelmente em ambos os reatores, até estabilizar em um valor em torno de 70%, para tempos de residência hidráulica de 48 e 36 horas.Com o objetivo de aumentar essas eficiências, após 200 dias de operação foi instalado um sistema de controle de recirculação de biomassa para manter a concentração do mesmo estável nos reatores. Assim, foi possível aumentar a eficiência da degradação de DQO até valores próximos de 95% de forma sustentada bem como aumentar consideravelmente a eliminação de Nitrogênio (N), com valores variando entre 60% e 100%, e de Fósforo (P), com a eficiência de remoção em 50%. Da mesma forma, foi possível diminuir o tempo de residência hidráulica da instalação até 18 horas, o que representa um grande avanço no desenvolvimento desta tecnologia, pois permite diminuir em mais de 4 vezes o volume necessário para a implementação em escala real, comparado a outros sistemas fototróficos.

Desenvolvimento tecnológico dos raceways anaeróbios: escala piloto

Os resultados obtidos são promissores, de modo que a FCC Aqualia continua apostando no desenvolvimento desta tecnologia em colaboração com o GIQA, para maximizar o uso dos efluentes como recursos e promover o uso mais sustentável dos recursos hídricos. Por isso, atualmente, está sendo construída a estação de demonstração da maior tecnologia de bactéria PPB do mundo, onde a matéria orgânica e nutrientes serão transformado em bioenergia e/ou fertilizantes orgânicos, com uma capacidade de tratamento de 80 m 3 / d. A inauguração da estação está prevista para setembro de 2018, e a importância estratégica do mesmo, tanto para a FCC AQUALIA como para o GIQA, fará da divulgação cientifica um objetivo fundamental para conhecer este marco tecnológico.

Referências:

1.van Loosdrecht, M.C.M. and D. Brdjanovic, Anticipating the next century of wastewater treatment. Science, 2014. 344(6191): p. 1452-1453.

2.Batstone, D.J., et al., Platforms for energy and nutrient recovery from domestic wastewater: A review. Chemosphere, 2014(0).

3.Hulsen, T., D.J. Batstone, and J. Keller, Phototrophic bacteria for nutrient recovery from domestic wastewater. Water Res, 2014. 50: p. 18-26.

4.Puyol, D., et al., Resource Recovery from Wastewater by Biological Technologies: Opportunities, Challenges, and Prospects. Front Microbiol, 2016. 7: p. 2106.

Fonte: Fundación Madrid+d, Grupo GIQA de la URJC – FCC AQUALIA, adaptado por Portal Tratamento de Água

Traduzido por Gheorge Patrick Iwaki

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