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Vermifiltração é alternativa para o tratamento de esgoto

Tecnologia ainda pouco conhecida alia a degradação bacteriana com a vermicompostagem

Vermifiltração é uma tecnologia que ainda não havia chegado ao conhecimento do grupo do professor Adriano Luiz Tonetti, que busca alternativas viáveis, técnica e economicamente, para o tratamento de esgoto em pequenas comunidades rurais e isoladas.  Quando uma doutoranda trouxe o tema para discussão, coube a Francisco José Peña y Lillo Madrid desenvolver um primeiro estudo sobre a viabilidade deste processo para o Brasil, diante de vários artigos publicados em países como China e Índia, igualmente em desenvolvimento, e também na Austrália. “Aplicação da vermifiltração no tratamento de esgoto sanitário” é o título da dissertação de mestrado orientada pelo professor Tonetti e apresentada na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC).

Francisco Madrid explica que a vermifiltração é um processo de tratamento de afluentes sanitários que alia a degradação bacteriana com a vermicompostagem, resultando em um filtro biológico de elevada eficiência para a remoção de poluentes do esgoto. Sua aplicação é voltada para tratamento de efluentes sanitários de localidades não atendidas por uma rede coletora. “As vantagens da vermifiltração se relacionam com a facilidade de instalação e operação do filtro e baixo custo dos materiais. O efluente tratado pode ainda ser utilizado como água de reuso para irrigação ou outros fins não potáveis”, afirma.

Segundo o autor da dissertação, a vermifiltração é uma tecnologia bastante nova, com um primeiro trabalho publicado no final da década de 1990 por pesquisadores da Universidade do Chile, sendo que no Brasil o tema aparece somente na dissertação de um aluno da Universidade Federal de Viçosa. “Ficamos curiosos com a vermifiltração porque ela seria totalmente aplicável no Brasil – e especialmente por nosso grupo – como alternativa frente a tecnologias usualmente utilizadas nessas propriedades, como o tanque séptico e o filtro anaeróbio. ”

Madrid informa que estatísticas do IBGE para o último Plano de Saneamento, de 2010, apontam que mais da metade dos municípios brasileiros ainda não possui uma forma adequada de tratamento e disposição final de esgoto. “Na prática, o que temos são as fossas rudimentares e fossas secas, onde as excretas se infiltram contaminando o solo e a água subterrânea. No mesmo cenário vemos casas sem rede de distribuição de água potável e que recorrem a poços caipiras, sujeitos a contaminação pelo esgoto disposto inadequadamente. Esta é uma das principais preocupações que levam nosso grupo a estudar alternativas viáveis de tratamento.”

Conforme o pesquisador, tecnologias complementares aos tanques sépticos – como filtros anaeróbios, biofiltros percoladores, filtros de areia e wetlands (sistemas naturais construídos) – vêm sendo adotados por apresentarem resultados satisfatórios na remoção de poluentes. “O tanque séptico, que é centenário e mundialmente utilizado, consiste simplesmente de um reator anaeróbio, onde é acumulado o afluente (normalmente por um dia) para degradação parcial da matéria orgânica. A eficiência de remoção é relativamente boa, mas não o suficiente para a disposição posterior desse esgoto tratado no solo ou no rio; para isso, é preciso o tratamento complementar, que na maioria das vezes não é aplicado.”

Minhocas e braquiária

Francisco Madrid observa que as tecnologias tradicionais apresentam dificuldades de manutenção e operação devido à geração de lodo e possibilidade de colmatação (entupimento do material suporte do biofiltro), além do custo relativamente elevado de implantação. “A vermifiltração surge como alternativa para se obter um desempenho equivalente na remoção de poluentes e economicamente atraente pela maior simplicidade de instalação e manutenção. Nós avaliamos o desempenho de um vermifiltro com uma configuração mais simplificada em relação às encontradas na literatura, até porque ainda não se chegou a uma configuração padronizada.”

O autor da pesquisa construiu vermifiltros com diâmetro de 30 centímetros e um leito dividido em três camadas: a superior, composta por 40 cm de substrato com minhocas (da espécie Eisenia andrei); a intermediária, com 40 cm de pedrisco; e a inferior, com 20cm de brita para drenagem do efluente tratado. O substrato utilizado para as minhocas foi a braquiária (capim), secada e misturada a terra na proporção volumétrica de três por um. “O vermifiltro é um biofiltro percolador que recebe aplicação intermitente de esgoto, com fluxo descendente conforme a gravidade – não é um filtro afogado. As aplicações de águas residuárias se dão conforme a descarga no vaso sanitário e o uso da pia ou do chuveiro. Este fluxo intermitente permite a areação natural do biofiltro.”

Madrid segue explicando que, à degradação aeróbica do esgoto sanitário, associa-se a comunidade de bactérias que se forma no substrato do filtro (braquiária), onde também estão as minhocas para proporcionar uma degradação melhor e mais rápida da matéria orgânica complexa. “Temos uma associação das minhocas que entregam uma matéria já degradada para uma degradação mais fina pela comunidade de bactérias. Além disso, o próprio sistema digestivo das minhocas aumenta a diversidade de bactérias degradadoras de matéria orgânica. Ou seja, as minhocas servem como um incremento, melhorando a eficiência de um biofiltro percolador comum.”

Remoção acima de 80%

Os vermifiltros não garantem a remoção total de matéria orgânica do esgoto sanitário, mas de acordo com o pesquisador, a literatura registra resultados superiores a 90% de remoção de DBO (demanda biológica de oxigênio) e DQO (demanda biológica de oxigênio) – dois parâmetros para avaliação do impacto ambiental de efluentes. “Aqui na FEC, realizamos dois experimentos: um deles para o tratamento de esgoto bruto aplicado diretamente no vermifiltro, e o segundo com um sistema de filtro anaeróbio seguido pelo vermifiltro – através destes processos chegamos a uma redução total acima de 60% e 80%, respectivamente, o que é um resultado satisfatório, embora esperássemos atingir o que a literatura indicava.”

Para Francisco Madrid, considerando o tempo limitado do mestrado, sua pesquisa representa apenas um primeiro passo nos estudos de vermifiltros para o cenário brasileiro. “Também houve a opção por uma versão simplificada a fim de buscar uma tecnologia mais viável economicamente. Empregamos o que é facilmente encontrado no mercado, como a brita que tem custo relativamente baixo, ou mesmo na natureza, como a braquiária e a terra. Por ser uma tecnologia muito nova, ainda não existe um padrão de configuração para vermifiltros, há inúmeras pesquisas, mas nenhum consenso.”

O autor da dissertação acredita que o substrato das minhocas seja um aspecto importante para se alcançar uma boa eficiência no uso da vermifiltração. “Outros estudos trazem na configuração a utilização de serragem em diferentes granulometrias, desde a grossa até as bem finas. A serragem tem alto poder de absorção de água, sólidos e nutrientes que compõem o esgoto sanitário. A braquiária também possui esta propriedade, mas não na mesma intensidade; e como a utilizamos da forma como foi cortada em áreas verdes do campus, talvez um tratamento preliminar, como a sua trituração, já permita aprimorar o desempenho do biofiltro.”

Unidade mais compacta

Uma vantagem do vermifiltro já demonstrada na dissertação de mestrado em relação às tecnologias mais tradicionais, além da eficiência equivalente, está na quantidade volumétrica de esgoto que é capaz de comportar por dia. “O filtro de areia, por exemplo, tem eficiência mais elevada, mas o volume de esgoto que se aplica é bem inferior. Se com o vermifiltro é possível tratar volume maior, consequentemente, temos uma unidade mais compacta, ocupando menos espaço e requerendo menos material, tornandose alternativa mais barata.”

Agora no doutorado, Francisco Madrid terá quatro anos para uma nova experimentação, em várias etapas: primeiro com pequenos biofiltros em escala de bancada, buscando o melhor substrato para a manutenção da população de minhocas; depois, para determinar a profundidade adequada de cada camada de substrato; e, finalmente, para elaborar uma nova configuração de vermifiltro, visando alcançar resultados comparáveis aos estudos internacionais, com mais de 90% de remoção de matéria orgânica de efluentes sanitários.

Madrid conta que a doutoranda Isabel Figueiredo, a mesma aluna que trouxe para o grupo a discussão sobre vermifiltros, está avaliando o sistema de tratamento de esgoto em uma comunidade rural de Campinas, abordando também aspectos da educação ambiental. “Na última etapa do doutorado, prevê-se a construção de cinco pequenos sistemas de tratamento descentralizado, inclusive de vermifiltração, em cinco propriedades diferentes. A ideia é que a comunidade participe tanto da escolha da melhor alternativa como do processo de implantação e execução desses sistemas. É uma nova visão que o professor Tonetti vem implantando no grupo, integrando defesa da natureza, educação ambiental, tratamento adequado de esgoto e reuso da água.”

Publicação

Dissertação: “Aplicação da vermifiltração no tratamento de esgoto sanitário”
Autor: Francisco José Peña y Lillo Madrid
Orientador: Adriano Luiz Tonetti
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

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